EM CARTAZ: House of Gucci


(Foto: House of Gucci/Divulgação)

Father, Son and...House of Gucci.

O filme House of Gucci, traduzido no Brasil como Casa Gucci, dirigido por Ridley Scott (Hannibal), é extremamente caricato. Não ao acaso, é claro, o longa-metragem se enquadra num tipo de cinema conhecido por Camp, justamente marcado pelo exagero, pelo ridículo, pelo brega e cafona, mas não só isso.

O cinema Camp é tradicional da década de 1960, mas o seu auge é nos anos 70, quando passa a incorporar aos seus excessos também a ostentação e a banalidade como parte do apelo. É um estilo cinematográfico que demonstra a pretensão quase que ingênua da classe média com suas frivolidades e busca chocar pela sensação de “fora da casinha”.

Casa Gucci é exatamente essa mistura do fútil e do cafona com os anos 70. Na verdade, nada mais Casa Gucci do que isso. Dito isso, vamos ao que interessa. A história do filme se volta ao relacionamento de Maurizio Gucci, aqui interpretado por Adam Driver, e Patrizia Reggiani, incorporada por Lady Gaga, desde quando eles se conheceram até quando ela encomenda a morte do então ex-marido.

O caso do assassinato de Maurizio Gucci foi um choque para o mundo, especificamente o mundo da moda. Crime de tanto impacto quando a morte de Gianni Versace. Na vida real, Patrizia foi condenada há quase 30 anos de prisão. A socialite cumpriu sua pena e desde 2016 está em liberdade.

Na época do crime, Maurizio era diretor da grife italiana, assumindo-a após a morte de seu pai, Rodolfo Gucci (Jeremy Irons). Um dos maiores herdeiros da moda internacional, no filme encontramos um tímido e contido Maurizio Gucci que só chegou aonde chegou graças a ambição da ex-mulher – e todas as suas cartas na manga.

Contexto apresentado, simbora falar do filme em si. Como dito anteriormente, Casa Gucci é caricato e esse não é seu defeito. Mas, apesar de usar dos excessos sem medo de pecar, ele quer tudo e acaba não entregando nada direito.

De primeira, somos apresentados aos dois protagonistas separadamente até o momento em que eles se encontram durante uma festa na casa de alguma socialite da época. No exato instante em que Maurizio revela o seu sobrenome à Patrizia, percebemos seu olhar – e o ar a sua volta – mudar. Desde o início há a intenção de demonstrar Reggiani como interesseira, ambiciosa e oportunista.

Pesquisando rapidamente sobre a história original, percebi que o encontro deles foi alterado no enredo do filme com a licença poética de construir o caráter duvidoso e ainda assim essencialmente humano de Reggiani. Na vida real, Maurizio que notou a jovem com “ar de Elizabeth Taylor”, enquanto no filme ela não só brilha ao ouvir o “Gucci” como força alguns encontros supostamente ao acaso com o herdeiro italiano para que ocasionalmente se apaixonem.

Apesar do seu interesse, Reggiani leva alguns anos até conseguir de fato adentrar no dia a dia dos Gucci. Mesmo após conquistar o coração de Maurizio, por falta de apoio do pai, o rapaz é expulso de casa e “deserdado”, passando a viver com a então noiva na casa dos pais dela. Lá, ele começa a entender a dinâmica de uma empresa junto à frota de caminhões dos Reggiani e inicia a vida de casado ali, com simplicidade – e até então muito amor.

Passado algum tempo, Patrizia decide que é hora de intervir na briga dos Gucci para reaproximar o marido dos negócios da família e faz contato com Aldo Gucci, tio de Maurizio, interpretado por Al Pacino. Ainda nesse contexto familiar, conhecemos também Paolo Gucci, que está impecável sob a atuação de Jared Leto.

O filme tem uma construção excelente até a primeira metade da história. Temos o dia a dia do casal, o nascimento da primeira filha, a reconciliação de Maurizio e Rodolfo e já podemos ver Reggiani com seu poder de manipulação sutil circulando por entre os Gucci. Mas, a partir do que deveria ser o ponto alto da decadência do casamento, encontramos enredos demais sendo trabalhados e uma pressa em resolvê-los.

Acompanhamos Reggiani tentando colocar Maurizio como diretor, fraudes, crimes de corrupção, mais brigas familiares e, do dia para a noite, o “despertar” do ingênuo Maurizio para as influências de sua até então esposa – e quando ele decide se divorciar. Depois da separação então, aí é que parece que tudo fica corrido mesmo. Numa cena temos Patrizia implorando para reatar o casamento e dois segundos depois decidindo matar o ex-marido. Ah, vale ressaltar, tudo com o respaldo “místico” da vidente Giuseppina “Pinna” Auriemma, melhor amiga de Reggiani, aqui interpretada por Salma Hayek.

Em todo o tempo há o dilema da ambição de Reggiani e, ao mesmo tempo, sua luta para se firmar dentro do contexto do mundo corporativista extremamente machista. Não que haja justificativa para seus atos, mas o filme tenta dar a ela uma oportunidade de dizer que, ao menos ela tinha um porquê – ainda assim inaceitável. Também tem algumas narrativas que são jogadas dentro da história e podiam ser melhor exploradas, como a questão da falsificação das bolsas da Gucci, que ganha um destaque e é abruptamente cortada da história sem um fechamento.

Por fim, com seus furos e excessos excessivos (sim, com redundância mesmo), a melhor coisa de Casa Gucci são as atuações. Primeiramente, a Lady Gaga. Ela reluz sob a pele da ambiciosa e dedicada Patrizia Reggiani, fiel aos seus princípios (meio equivocados, mas seus) e a vontade de mudar o curso de sua história, saindo da classe operária para a elite italiana – ainda que jamais tenha sido reconhecida enquanto uma Gucci e todos fazem questão de deixar claro isso ao longo do filme. Depois, Adam Driver com o seu aparentemente bobo e facilmente manipulável Maurizio Gucci, que depois que acorda pra vida decide tomar as rédeas da própria vida (meio tarde, porque morreu pouco depois disso, mas ele tentou).

Menções honrosas à Al Pacino, que deixa de lado a caracterização de mafioso para entregar um milionário que oscila entre o preocupado com a família e o ambicioso (leia-se também corrupto) gestor de negócios. Tá, não deixa de ser um mafioso, né? Mas Aldo Gucci tem o seu carisma e frente ao que faz a Reggiani, você sente até empatia por ele. E também ao Jeremy Irons, pra mim o eterno Alfred em Liga da Justiça (2017 e 2021), o pai durão (que estava certo), o bom gestor e que merecia um pouco mais, mas perde a batalha contra a doença (que eu não sei se confirmam qual é, mas parece muito com tuberculose).

Vale também a menção ao Paolo Gucci de Jared Leto. Filho de Aldo Gucci, Paolo faz parte de um lado renegado da família. Constantemente humilhado por seu trabalho enquanto estilista, o também herdeiro da Gucci busca apenas aprovação da família e é a única coisa que não recebe. Ele é o elo mais fraco dos Gucci, mais um que cai nos encantos e manipulações de Reggiani, porém no fim das contas é o único que faz a coisa certa no momento em que precisava – mesmo que por interesse próprio. Paolo ficou conhecido na história da Gucci por ter entregado seu próprio pai e os esquemas de corrupção dele, relacionados à sonegação de impostos da empresa.

Paolo Gucci funciona como o alívio cômico do filme, que apesar de todo seu estilo caricato, ainda tem sua sobriedade e toque sombrio, por se tratar de um true crime. Contudo, achei sua caracterização excessiva demais – apesar disso, vale o crédito por ser muito bem feita. O músico está irreconhecível!

Dentre outros acertos do filme, fica também minha menção aos figurinos. Com mais de mil lookinhos, sendo a maioria para a Reggiani de Lady Gaga, o filme entrega glamour e sofisticação nos ternos italianos, conjuntos de alfaiataria e vestidos de cetim que circulam dentre as cenas de Casa Gucci.

Por outro lado, cenários belíssimos como Itália e Suíça são levemente desperdiçados em cenas que podiam tirar o fôlego com as locações, mas apenas abusam da câmera lenta para demonstrar a grandiosidade dos lugares e a gente se perde entre a beleza e a encheção de linguiça.

O erro de Casa Gucci é sua ambição, assim como a de Patrizia Reggiani que a levou à decadência. O filme quer demais, quer falar demais, quer falar sobre tudo, sobre os problemas da Gucci, sobre as corrupções, sobre as relações familiares, sobre Patrizia, sobre o crime e acaba falando apressadamente sobre todas essas coisas às vezes até de forma desconexa, o que nos leva a achar que ele não falou sobre nada.

É um bom filme, no fim das contas, mas faltou foco para ser um filme excelente. Deve chegar com força na temporada de premiações graças às atuações (Gaga e Driver, principalmente), ao nome de peso de seu diretor e, é claro, aos figurinos.

Matou o camp e pecou pelo excesso, mas vale seu tempo. Contraditório? Não, Casa Gucci.

Nota: 7/10

Beatriz de Alcântara
Beatriz de Alcântara

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