RESENHA LITERARIA: Gostaria que Você Estivesse Aqui



(Foto: Adan Cavalcante)

Escritor, jornalista e roteirista, Fernando Scheller vinha de um livro aclamado pela crítica intitulado "O Amor Segundo Buenos Aires", sua estreia no mundo ficcional, quando esse ano lançou "Gostaria que Você Estivesse Aqui". Ambientado nos anos 80, o que daí já me atraiu 100%, a obra imerge na vida de cinco figuras que vivenciam a vida do Rio de Janeiro nessa década de forma intensa. Baby, Inácio, César, Selma e seu Rosalvo tem suas vidas entrelaçadas durante os anos e não sabem o impacto que cada um causa no outro.

Os anos oitenta foi um período extremamente movimentando em todo o mundo, principalmente no Brasil. A luta pelo fim da ditadura militar andava cada vez mais forte e tempos de boas novas estavam por vir com a tão sonhada democracia. O mundo passava por um boom musical e o rock nacional tomava sua forma, ganhando cada vez mais as rádios e pegando o topo das paradas musicais. A economia passava por mudanças radicais e a geração hippie era deixada totalmente para trás. O mundo passava por uma nova epidemia, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ou AIDS, doença causada pelo HIV, amedrontava a sociedade e muitas pessoas se tornaram vítimas. 

Nesse cenário somos apresentados inicialmente ao jovem Inácio, um garoto tímido de dezessete anos que tem uma paixão forte pela garota Baby. Ela é uma das garotas mais bonitas do colégio, que decide perder sua virgindade com Inácio mesmo estando envolvida com Otavio, um garoto rico que sua mãe sonhava que ela se casasse. Em uma festa, Inácio conhece César e logo se tornam amigos. 

César é um garoto que está se descobrindo sexualmente e logo se apaixona por Inácio, e mesmo não sendo correspondido, preza por essa amizade acima de tudo. César é filho de Selma, uma professora de classe media alta, que é extremamente infeliz no seu casamento, mas ainda não sabe. O pai de César abandona eles por uma mulher mais nova e bloqueia a família antiga como nunca tivesse sido casado. Rosalvo, por obra do destino, após sua mulher falecer, sai do interior de Minas Gerais para Rio de Janeiro atrás de sua filha, Eloá, uma mulher transexual que foi assassinada e seu pai vai em busca de vingança.

Em meio aos anos, somos apresentados as histórias de cada um desses personagens, em como seu Rosalvo vai trabalhar de porteiro no prédio de César e Selma, em como Baby foge em busca de sua independência seja como mulher ou longe da sua mãe opressora, em como Inácio se ver ao lado de César, um estrela-guia que o move e o faz fazer coisas que nunca antes seria realizada em sua existência. 
 
Inácio esse, que veio de uma família tradicional e tinha sua vida toda calculada, decide largar todos os planos de ser engenheiro para cursar jornalismo e a partir daí muitas mudanças começam a ocorrer em sua vida. César é um dos maiores pontos dessa mudança. A amizade deles é muita linda e sim, eu não vou mentir, em certos momentos shippei eles hardcore. Mas, ao mesmo tempo, a pureza da amizade era algo tão lindo que eu não queria mexer nisso.

César é apaixonado por música e isso é uma das coisas mais fortes que ele ensina a Inácio. O sonho de César é ser um grande produtor musical e esse sonho é realizado. Enquanto ele vê seus sonhos se tornando realidade, ele tem que lutar contra sua paixão por César e o abandono do seu pai, que deixou feridas nele que ainda não cicatrizaram.

Selma tem em César o maior amor da sua vida. Ela é aquela mãe que faz de tudo por ele e mata e morre, tendo sempre tendo escolhido ele acima de tudo. Quando seu marido a deixa a vida dela vira de cabeça pra baixo e ao mesmo tempo, ela começa a se conhecer melhor como mulher. Tendo uma carreira como ponto a seguir, em seu trabalho ela conhece alguém que vai mudar a vida dela como nunca antes.

Seu Rosalvo é um nordestino do sertão da Paraíba que foi para Minas Gerais em busca de mudança de vida. Teve uma vida, uma família e quando sua esposa falece, ele vai atrás de vingança do assassino da sua filha. Se acomoda na favela da Rocinha, a maior favela do Brasil, e lá ele conhece pessoas boas e outras de índole duvidosa. Enquanto investiga o que ocorreu com Eloá, ele vai construindo uma nova vida, uma nova família e quem sabe esse sentido de vingança se vá durante os anos.

Baby, pra mim, é uma das personagens que menos teve atrativo durante o livro, aparecendo mais em certos aspectos. Tendo um espirito livre, Baby foge de casa e vai em busca de sua independência. Em diversos momentos, se vê como dona de Inácio, não aceitando ele com outra pessoa a não ser ela, mas também não se entrega ao garoto. Tendo uma mãe que só pensa em status, utiliza da filha para se manter no alto da cadeia carioca, vivendo de vender as coisas de casa para não perder o apartamento em que vivem. 

Durante os acontecimentos do anos, um especifico pega todos de surpresa: César é diagnosticado como HIV positivo e a luta pela vida em plenos anos oitenta, onde por mais que você tivesse recursos, não havia muito o que se fazer, é iniciada. César tem seus sonhos interrompidos e com a ajuda da mãe e de Inácio ele tenta dar um passo de cada vez. Esse é um dos momentos mais dolorosos do livro, junto com as narrações das vidas transexuais na favela. 

Esse universo LGBTQ+ instaurado dentro do livro é muito bem trabalhado, tendo várias discursos bem pertinentes dentro da área, trazendo bem também sua realidade oitentista. Os personagens tem falas que ora problemáticas, é diante de um crescimento natural orgânico, onde a desconstrução é necessário ali.  Assistir toda a evolução do César e de seus parceiros, sua vida sexual e social, seu circulo e todo o universo tratado, é de extrema importância para a didática funcional analítica do sistema emocional de um personagem, quando se é construído em todas as suas camadas.

A esperança nunca é perdida, mesmo frente a algo que você acabou de conhecer. São vários os medos, são vários os multiversos de cada um quando o outro nem conhece. As mãos estiradas são as que nunca esquecemos, são as que importa. Gostaria que você Estivesse Aqui fala sobre perdas e encontros, sobre como a vida funciona e como ela deveria funcionar, mas não é assim. As perdas nos movimenta e ao mesmo tempo nos estagna de uma forma que precisamos de um empurrão pra se mover. 

Ao apostar na nostalgia, Fernando Scheller se move em uma estrada que acerta em cheio em seus personagens densos e cheios de camadas. Uma história envolvente, em uma ambientação sensorial única, onde a história brasileira se perde e se acha ali. 

Nota: 10/10

P.S: Coloca um Cazuza e sinta toda a vibe dessa época, é perfeição.
Adan Cavalcante
Adan Cavalcante

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