Pam & Tommy tenta reparar os erros misóginos do passado e faz igual (ou pior)


(Foto: Divulgação/Hulu)

Desde que a minissérie foi finalizada, há cerca de um mês, que eu quero falar sobre ela aqui, mas não queria fazer de qualquer jeito. Pam & Tommy é uma produção de oito episódios, desenvolvida pela Hulu e distribuída no Brasil através do Star Plus. O enredo principal é o relacionamento controverso da atriz Pamela Anderson e o músico Tommy Lee, com o enfoque na polêmica sextape do casal, que foi vazada em meados de 1995, durante o surgimento da internet. No elenco, Lily James e Sebastian Stan são encarregados de protagonizarem o casal hollywoodiano, dividindo cena com nomes como Seth Rogen e Taylor Schilling.

A ideia pode ser até interessante, visto que trata-se de um casal público e um dos casos mais famosos dentro do universo das celebridades. Contudo, isso poderia ser considerado caso houvesse consentimento de ambas as partes para o desenvolvimento da produção, o que não foi o caso aqui. Quando Pamela Anderson se opõe à produção e, mesmo assim, insistem em fazê-la, estão fazendo com que ela reviva todo aquele inferno – que, curiosamente, tentam retratar com tanta humanidade.

Tecnicamente falando, a minissérie é muito boa. A qualidade de direção, do elenco, do design de produção e da caracterização são indiscutíveis. A fotografia e a trilha sonora completam a experiência de imersão aos anos 90 que a produção propõe. Tudo isso aliado a boas atuações, como a de James e de Stan. Os elementos de cena e o ritmo da produção também se somam aos acertos dos envolvidos no trabalho, mas o lado bom se encerra por aí, e o final dessa conta tem resultado negativo – mais uma vez para Pamela.

É compreensível que Pamela Anderson tenha se negado a autorizar a produção e mais ainda a assistir. Pode não ficar tão claro ainda no primeiro episódio, mas basta avançar mais um pouco na produção para entender o porquê. A atriz foi, ali na ascensão da internet, a primeira vítima da chamada revenge porn – pornografia de vingança. O casamento com Tommy Lee, depois de se conhecerem há quatro dias, rendeu uma lua de mel calorosa e uma gravação que, até então, deveria se reservar ao casal, mas foi roubada e vendida em um website, expondo Lee e Anderson, mas principalmente a atriz.

Não existe liberdade pessoal quando se trata do corpo de uma mulher, não é? E se ela já tiver uma mínima fama que seja por conta desse corpo, aí que ele se torna público mesmo. Ou, pelo menos, justificável de ser exposto. A atriz, famosa por seu papel em Baywatch, estava crescendo em Hollywood quando tudo aconteceu e, por conta da série e de algumas fotos feitas para a Playboy anos antes, ela não teve direito sobre as próprias imagens. Foi como se o mundo todo dissesse a ela: “mas o que eles estão vendo que já não tenham visto?”, sendo que o ponto não era o que eles estavam vendo, mas que ela não tinha consentido nada daquilo.

Seu nome logo virou chacota, papéis pararam de chegar e sua voz foi, aos poucos, mais e mais silenciada. Em uma disputa com a Penthouse, que usou do argumento da liberdade de expressão proposta pela Primeira Emenda estadunidense para obter os direitos de publicação das imagens de Pamela na revista pornográfica, ela é humilhada de forma cruel. E, nessa cena em específico, Lily James entrega uma atuação incrível, a direção consegue nos causar náuseas e revirar o estômago do telespectador.

Todavia, o sentimento fica ainda pior quando a gente para pra pensar que...O que há de diferente em expor o crime novamente sem autorização da atriz com o que aconteceu naquele julgamento em que a Penthouse se achava no direito de publicar as fotos mesmo com a negativa de Pamela Anderson? Nada, né? Enfim a hipocrisia.

A produção pode ser boa como for, mas é injustificável. Além de tudo, eu senti que houve um apagamento na personalidade de Pamela Anderson. Ela é fadada a ser certinha, boazinha o tempo todo, beirando a ingenuidade, quando nas poucas vezes que dão espaço para ela ser corajosa e destemida, Lily James brilha. Por outro lado, também achei que houve uma aliviada na barra do Tommy Lee – e isso pode ser mérito do carisma do Sebastian Stan. Quando ao Rand Gauthier do Seth Rogen, só me sobrou pena e muita, mas muita raiva!

O Rand foi o responsável pelo roubo e divulgação do conteúdo da fita a fim de se vingar do Tommy Lee por uma dívida de trabalho. E, a frase que resume a série vem de uma cena entre o Tommy e o Rand. Nela, o baterista da banda de rock Mötley Crüe questiona o carpinteiro mais ou menos assim:

“Eu entendo você ter raiva de mim e querer se vingar pelo que eu fiz. Mas, e ela?”

“Ela?”

“Pamela. O que ela te fez para merecer passar por isso?”


O silêncio é ensurdecedor.

Na tentativa de atacar Tommy Lee, Rand jamais pensou que a maior vítima seria a Pamela, porque na verdade pouco importava. Ela já usava um maiô pequeno na televisão, o que seria demais o mundo inteiro vê-la transando, né? As únicas pessoas que se solidarizam com a Pamela na série são outras mulheres. Ah, e vale salientar que ninguém penaliza o Tommy não, pelo contrário, ele é parabenizado. Pela performance, pela esposa, pelo tamanho do pênis. Tudo é motivo para vangloriar o rockeiro. Para Pamela sobram os títulos de vadia para baixo.

Eu até indiquei a série aqui em um Dica de Quinta, porque, no fim das contas, ela é ótima em apontar a misoginia que a Pamela sofreu e os impactos da internet mesmo quando ela ainda era só um embrião. Mas, não vale assistir às custas da violência de uma outra mulher. Pamela Anderson já deixou bem claro, inúmeras vezes, que não estava feliz com a produção e, novamente, quando insistem em fazê-la mesmo com as negativas, estão a vitimizando de novo. É uma violência, não deixa de ser. É cruel e injusto.

A minissérie tentou militar em cima da causa, mas faltou sensibilidade para entender que a própria produção ia de encontro a isso. Faltou empatia, sobrou hipocrisia.

Uma pena.

Ps: pouco tempo depois do lançamento de Pam & Tommy, Pamela Anderson publicou nas redes sociais a notícia de que produzirá um documentário autobiográfico sob a direção de Ryan White, em parceria com a Netflix. No Instagram, a atriz diz basicamente que sua vida teve mil interpretações erradas, maldosas e perdidas e que ela não pretende atender a nenhuma expectativa, mas surpreender. “Não uma vítima, sim uma sobrevivente e viva para contar minha história real”, dizia um trecho da publicação. Vamos aguardar!


Nota: 6/10

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Beatriz de Alcântara
Beatriz de Alcântara

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