(Foto: Pôster do filme/Divulgação)
Em entrevista concedida ao The New York Times em 2017, Jordan Peele refletia sobre o processo criativo que trilhou na construção do seu primeiro filme. Nela, ele afirmou que “a melhor comédia e terror parecem acontecer na realidade”. Uma regra ou outra é dobrada para fins narrativos e artísticos, mas “o mundo ao seu redor é real”.
E é o que vemos no árido e hostil Não! Não Olhe!, lançado aqui no Brasil no dia 25 de agosto deste ano, mais de um mês depois do dia que estreou nos cinemas americanos. O filme conta a história dos irmãos “OJ” (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer), que após perderem o pai para uma morte misteriosa veem seu rancho de criação de cavalos ser aterrorizado por um objeto voador não identificado.
Os cavalos da família Haywood são treinados para participação em obras hollywoodianas. Além disso, segundo Emerald, ela e seu irmão seriam descendentes do homem que montou o cavalo no primeiro conjunto de fotografias utilizado para criação de movimento na história do audiovisual.
É nesse ponto que Peele estabelece a primeira das bases temáticas do seu filme: o apagamento não só da presença de pessoas negras na construção da história do cinema, mas também do seu olhar cinematográfico.
Filmes sobre filmes tendem a seguir dois caminhos. O primeiro deles romantiza a vida da indústria, mostrando Los Angeles como uma terra prometida para artistas incompreendidos. Talvez um dos mais ilustres exemplos dessa abordagem seja Cantando na Chuva (1952), que mesmo apresentando a realidade excludente das transformações tecnológicas na passagem do cinema mudo para o falado, enche os olhos com a sua estética e final dignos de um conto de fadas.
O segundo desses caminhos é uma visão pessimista e crítica sobre a indústria. Geralmente (mas não obrigatoriamente), filmes que seguem essa via narram histórias reais de atores ou de produções que tiveram um desenvolvimento conturbado. É o caso de todas as tentativas de exploração póstuma da vida de Marilyn Monroe (que ganhará mais uma, ainda em 2022, com Blonde).
No superficial, Não! Não olhe! estaria na segunda categoria. Mas o seu terceiro ato torna este um filme quase impossível de colocar em uma dessas duas caixinhas.
A tentativa dos irmãos Haywood de conseguir uma imagem de “Jean Jacket” (nome dado ao OVNI) apresenta uma espécie de alegoria sobre a corrida de cineastas negros na corrida pelo seu próprio take perfeito. Tudo isso está em contrapartida com a forma como essas pessoas geralmente são apresentadas quando estão na frente das câmeras: dar ao personagem de Daniel Kaluuya o nome de “OJ” não é só o diretor querendo arrancar um levantar de sobrancelha do público.
É também um gancho que leva a uma outra reflexão trazida nesse filme: a da espetacularização e a da utilização das câmeras quase como um objeto para consumir (no sentido mais alimentício da palavra) o outro. Esta reflexão, por sua vez, já é amarrada na cena da gravação da sitcom Gordy’s Life com um outro ponto importantíssimo para o filme: o da impotência humana perante a natureza. O que casa perfeitamente com a afirmação do diretor de que a pandemia de covid-19 foi uma das inspirações para esta história.
E este é justamente um trunfo de Peele. A forma como, no roteiro escrito por ele, todas as bases temáticas se amarram e se complementam a ponto de parecer criminoso da minha parte separá-las para destrinchá-las. Nope (como é chamado em inglês) é a obra de um autor que está confiante e confortável em todos os aspectos necessários para o sucesso de um filme.
A escalação do elenco é primorosa, com um destaque especial para o carisma e também força dramática e cômica de Keke Palmer. A direção combina brilhantemente a seca e planos abertos de um faroeste com elementos característicos do diretor. E o roteiro, que mesmo exagerando na explicação dos seus temas em alguns momentos, traz diálogos divertidos e convincentes que só acrescentam em uma história já interessante.

(Steve Yeun, Daniel Kaluuya, Jordan Peele, Keke Palmer e Brandon Perea na premiere de Não! Não olhe!. Foto: Gilbert Flores/Variety)
É nesse ponto que Peele estabelece a primeira das bases temáticas do seu filme: o apagamento não só da presença de pessoas negras na construção da história do cinema, mas também do seu olhar cinematográfico.
Filmes sobre filmes tendem a seguir dois caminhos. O primeiro deles romantiza a vida da indústria, mostrando Los Angeles como uma terra prometida para artistas incompreendidos. Talvez um dos mais ilustres exemplos dessa abordagem seja Cantando na Chuva (1952), que mesmo apresentando a realidade excludente das transformações tecnológicas na passagem do cinema mudo para o falado, enche os olhos com a sua estética e final dignos de um conto de fadas.
O segundo desses caminhos é uma visão pessimista e crítica sobre a indústria. Geralmente (mas não obrigatoriamente), filmes que seguem essa via narram histórias reais de atores ou de produções que tiveram um desenvolvimento conturbado. É o caso de todas as tentativas de exploração póstuma da vida de Marilyn Monroe (que ganhará mais uma, ainda em 2022, com Blonde).
No superficial, Não! Não olhe! estaria na segunda categoria. Mas o seu terceiro ato torna este um filme quase impossível de colocar em uma dessas duas caixinhas.
A tentativa dos irmãos Haywood de conseguir uma imagem de “Jean Jacket” (nome dado ao OVNI) apresenta uma espécie de alegoria sobre a corrida de cineastas negros na corrida pelo seu próprio take perfeito. Tudo isso está em contrapartida com a forma como essas pessoas geralmente são apresentadas quando estão na frente das câmeras: dar ao personagem de Daniel Kaluuya o nome de “OJ” não é só o diretor querendo arrancar um levantar de sobrancelha do público.
É também um gancho que leva a uma outra reflexão trazida nesse filme: a da espetacularização e a da utilização das câmeras quase como um objeto para consumir (no sentido mais alimentício da palavra) o outro. Esta reflexão, por sua vez, já é amarrada na cena da gravação da sitcom Gordy’s Life com um outro ponto importantíssimo para o filme: o da impotência humana perante a natureza. O que casa perfeitamente com a afirmação do diretor de que a pandemia de covid-19 foi uma das inspirações para esta história.
E este é justamente um trunfo de Peele. A forma como, no roteiro escrito por ele, todas as bases temáticas se amarram e se complementam a ponto de parecer criminoso da minha parte separá-las para destrinchá-las. Nope (como é chamado em inglês) é a obra de um autor que está confiante e confortável em todos os aspectos necessários para o sucesso de um filme.
A escalação do elenco é primorosa, com um destaque especial para o carisma e também força dramática e cômica de Keke Palmer. A direção combina brilhantemente a seca e planos abertos de um faroeste com elementos característicos do diretor. E o roteiro, que mesmo exagerando na explicação dos seus temas em alguns momentos, traz diálogos divertidos e convincentes que só acrescentam em uma história já interessante.
(Steve Yeun, Daniel Kaluuya, Jordan Peele, Keke Palmer e Brandon Perea na premiere de Não! Não olhe!. Foto: Gilbert Flores/Variety)
É um raro exemplo em que tudo funciona. E muito bem.
Tratar Jordan Peele como um dos grandes cineastas dessa nova geração de diretores não é hiperbólico. É um fato. Após o revolucionário Corra! (2017) e o consistente Nós (2019), o estadunidense entrega mais uma obra prima repleta de reflexões que vão além dos temas comuns dos seus trabalhos anteriores e se consolida como um primor da metalinguagem.
Nota: 9/10
Nota: 9/10
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