MILKSTAPE: Hold The Girl, mas deixe-a livre

(Foto: Rina Sawayama/Divulgação)

Ao explicar o título do seu segundo álbum de estúdio, Rina Sawayama afirmou em entrevista que ele surgiu durante uma sessão de terapia. Hold The Girl seria uma referência a tentativa de entender a pessoa que ela era quando mais jovem. Entretanto, mesmo que a voz de XS não tivesse explicado o significado por trás do nome deste trabalho, ficaria claro para qualquer um: essa pessoa se consulta com um psicólogo.

Escrito e concebido durante a pandemia de covid-19, o sucessor de SAWAYAMA tinha um legado elevadíssimo para carregar. O disco de estreia de Rina foi um dos mais aclamados de 2020, agregando uma nota de 89 no Metacritic e saindo em várias listas de melhores do ano, como a da NME e da Consequence of Sound.


As expectativas para o que a cantora traria logo em seguida eram altas e ela parecia ser o tipo de artista disposta a continuar aperfeiçoando sua experimentação, o que não aconteceu com Hold The Girl.


(Foto: Capa do álbum "Hold The Girl")

Longe de ser um álbum ruim, mas também longe de superar o seu antecessor, este é um trabalho que vai fundo no pop e no que havia de menos interessante em outros lançamentos de Rina. 


Algumas características já conhecidas da britânica ainda estão aqui: os múltiplos gêneros musicais explorados, os vocais explosivos, o amor pelo pop dos anos 2000, letras sobre traumas geracionais e uma devoção a Lady Gaga. Ao último elemento da lista, trago um destaque, porque as comparações não são à toa: Hold The Girl de fato parece uma tentativa de juntar as guitarras elétricas e o stadium rock de Born This Way com o eletrônico noventista e “Y2K” de Chromatica.


O resultado dessa mistura é uma perda, ainda que pequena, da identidade e da estranheza fenomenal que Sawayama costumava trazer em suas músicas. Aqui, ela foi fundo no pop, no mainstream e no que está sendo feito por todos da indústria no momento. Isso também pode ser visto quando as referências musicais vêm do rock.


Enquanto em SAWAYAMA, tínhamos a inesperada STFU!, uma faixa nu-metal com claras inspirações em bandas como Korn, Hold The Girl entrega mais músicas de pop rock e pop punk em 2022. Como se já não tivéssemos o bastante.


Parece que todo artista crescido nos anos 2000 precisa dizer que ouvia Green Day e Avril Lavigne quando adolescente. Em pouquíssimo tempo, essa ressurreição já parece esgotada e saturada. Meu voto de perdão para Rina, neste quesito, é dedicado à canção Catch Me In The Air, que poderia ter vindo do catálogo de Kelly Clarkson ou da Katy Perry pré-Teenage Dream e funciona bem dentro da proposta apresentada.




Outras como Frankenstein, que parece ser uma filha perdida do HOLY FVCK de Demi Lovato, caem na mesmice e no mar de músicas iguais a esta que saíram neste ano.


Tematicamente, Hold The Girl é mais conciso. Suas letras giram em torno de perdão e desconstrução de traumas geracionais relacionados a imigração, vivência LGBTQIA+ e gênero. Embora, por vezes, Rina soe como se estivesse prestes a lançar um livro de autoajuda, na maior parte do disco, suas confissões exalam sinceridade, coragem e muita força.


Em uma de suas composições mais sensíveis até o momento, Send My Love To John, ela evoca no eu lírico uma mãe imigrante que pede perdão ao filho gay e, finalmente, demonstra o apoio que ele sempre precisou. Em três minutos e 24 segundos, entendemos perfeitamente a complexidade da relação entre uma pessoa que aprendeu a ultrapassar os limites da sua dura realidade através da abundância do amor materno. O perdão não é só aquele que é solicitado pela mãe, mas também o que quem escuta a música concede a ela, uma figura que reconhecemos em tantos rostos por aí.



Os dois primeiros terços do álbum têm seus altos e baixos, mas são os momentos mais divertidos e fortes dele. É impressionante como mesmo com partes da sua identidade musical dissolvidas em prol de um som mais mainstream, Rina consegue ser uma força da natureza dentro do pop.


O primeiro single, This Hell diverte e cativa, enquanto a faixa-título, Hold The Girl, nos faz querer cantar junto de uma multidão imensa. Outro destaque é Forgiveness, que merecia ter sido trabalhada como single e definitivamente é uma das melhores canções do álbum.


Um erro cometido, talvez pela tentativa de tentar terminar com um clima mais otimista, foi colocar To Be Alive para encerrar o disco. Além de não ser uma boa música, ela é antecedida por Phantom, que tem força suficiente para “fechar as cortinas” com grandeza.


Ainda assim, com defeitos e concessões artísticas para conseguir se consolidar no cenário pop, Rina Sawayama entregou um dos melhores trabalhos do ano até agora. Mesmo não estando à altura de SAWAYAMA, Hold The Girl tem o seu valor e qualidade. Nele, a mistura de gêneros musicais é mais confusa, mas ainda assim demonstra a capacidade que a artista tem de ser eclética e versátil. 


A espera pela elevação experimental de Rina, pelo jeito, continua. Entretanto, é possível apreciar essa manutenção do que já conhecíamos dela como uma espécie de projeto de cura, autoconhecimento e libertação de um talento único na música contemporânea.


Faixas de destaque: Send My Love To John, Forgiveness, This Hell.

Nota: 8/10.


Artista: Rina Sawayama

Álbum: Hold The Girl

Ano: 2022

Selo: Dirty Hit

Gênero: Pop, pop rock


Rayssa Oliveira
Rayssa Oliveira

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