(Imagem: Divulgação/Brandon Bowen)
Existe algo de muito libertador para alguém que (como eu neste exato momento) precisa analisar o trabalho de um artista sem precisar fingir que a mensagem que ele está deixando livre para o mundo receber tem pouco a ver com a sua vida.
É claro que exemplos disso são raros na indústria musical americana, com artistas que tratam seus álbuns como verdadeiros diários violados para que o público adentre na sua vida particular. Não existe muito espaço para especulação.
Entretanto, parte disso não é culpa deles. E a trajetória de Demi Lovato é prova disso.
Da leva de atrizes da Disney da sua geração, Demi parece ter sido a com a maior dificuldade de manter uma estabilidade artística através dos lançamentos pós-Disney Channel. Talento não é um problema e muito menos a causa disso: ouvir qualquer um dos seus trabalhos é ter a certeza de que as performances ao vivo das músicas contidas neles serão tão boas quanto ou até mesmo melhores.
Suas composições seguem a cartilha normal de uma artista pop, sem muita excepcionalidade, mas com o seu valor e uma qualidade comum. Entretanto, a cada novo lançamento parecia que Demi precisava se provar de novo, de novo e de novo.
HOLY FVCK encerra esse eterno ciclo de comebacks com uma artista que precisou retornar para se consolidar. E foi bem sucedida nisso.
(Imagem: Capa de HOLY FVCK)
É preciso ressaltar, entretanto, que este retorno não é original de Demi e, pelo jeito, não irá parar com ela. Junto com a nostalgia pelos anos 2000 em estética, veio também a sua versão musical. Faixas como XS de Rina Sawayama já anunciavam, em plena pandemia, que chegava a hora de o mundo apreciar novamente o estilo de produção que dominava as paradas há duas décadas.
Era só uma questão de tempo até o pop rock e o pop punk também darem as caras. Entre eles, o pop rock é o mais abrangente e também genérico. Qualquer mistura de guitarra com elementos mais radiofônicos acaba sendo jogada nesta categoria. O pop punk, por outro lado, já demonstra sua contradição no próprio nome, formado pela junção de dois termos que representam caminhos distintos: o primeiro mainstream e comercial, e o segundo anarquista e underground.
Há quem diga que não existe pop punk. Afinal, como pode um movimento anticapitalista ter uma versão pop? Essa é uma pergunta que eu não tenho a ambição ou a pretensão de responder, mas que é levantada com uma certa frequência. Especialmente, pelos mais apegados à subcultura carregada por jovens da classe trabalhadora nos anos 70, que deu origem ao gênero musical.
Mas se Green Day, Blink-182 e companhia receberam o selo pop punk de categorização, então cá estamos nós deduzindo que ele, de alguma maneira, pode existir.
HOLY FVCK abraça sem muita inovação o pop rock mais adolescente que Demi Lovato fazia tão bem nos seus primeiros álbuns e também se apropria de elementos mais pesados e acelerados do pop punk.
Para além da sua sonoridade, é um trabalho confessional em cada verso que é ecoado em suas canções. Temas como traumas familiares, religiosos, relação com a fama e o tratamento canibalístico que a indústria oferece às suas estrelas femininas são os motifs recorrentes.
Eles não são novidade nas composições de Demi. Infelizmente, a trajetória de recuperação de um dependente químico não é linear e, ainda que por um período, ela será composta por mais de um recomeço. É por isso que temos a impressão de já termos ouvido esses assuntos no trabalho da ex-Disney mais de uma vez.
Mas enquanto o pop genérico e as baladas piegas dos álbuns anteriores permitiam que apenas algumas canções e trechos sobre esses dilemas ganhassem a atenção necessária, em HOLY FVCK a sonoridade mais “sombria” costura a liricidade e anda junto com a intensidade do que é emitido. Isso não o torna, necessariamente, um trabalho de destaque entre outros lançamentos do ano, mas definitivamente o coloca como o ponto alto da carreira de Demi.
A faixa de abertura, FREAK, é uma introdução excelente à estranheza do álbum e funciona bem como colaboração com o outro representante contemporâneo do pop rock, YUNGBLUD. SKIN OF MY TEETH justifica a sua posição de lead single, mesmo não sendo a melhor faixa, com seu refrão mais pop do que rock. E o momento sensível da dobradinha 29 e HAPPY ENDING é uma escolha inteligente ao colocar reflexões sobre o passado e o futuro de Demi lado a lado. A primeira, sobre seu relacionamento com o ator Wilmer Valderrama (iniciado quando ela tinha apenas 17 anos e ele, 29) e a segunda sobre quando será que ela terá o seu final feliz.

Mas é em EAT ME que todos os retalhos temáticos que montam esse disco se unem e chegam ao seu ápice. A parceria com Ryan and the Serpent é o “f#da-se” mais bem composto e agressivo dentro de um conjunto de outras canções que também carregam essa mesma força e peso.

O retorno de Demi aos primórdios da sua carreira não é apenas sonoro, mas também referencial e CITY OF ANGELS está aí para provar isso. A irmã rebelde de La La Land, um dos seus primeiros singles, é a visão que a cantora tem sobre a fascinante e por vezes plástica, Los Angeles, 14 anos depois da primeira vez que cantou sobre a cidade.
Apesar de não decepcionar nas suas composições, HOLY FVCK sofre do mal que outros trabalhos do gênero também sofrem: um excesso de faixas que precisam ser ouvidas observando se está tocando uma música diferente, já que boa parte delas é tão parecida que fica difícil dizer qual é qual em uma primeira escutada. Além disso, a tentativa de emular um nu-metal em BONES mira no experimentalismo e acerta na baixa qualidade. Aos interessados por canções do tipo lançadas recentemente, os últimos trabalhos de Poppy e STFU! de Rina Sawayama são experiências mais agradáveis.
HOLY FVCK é mediano como um todo, mas entrega momentos isolados de qualidade. É quando colocamos a lupa dentro da carreira de Demi Lovato que o álbum se destaca e apresenta suas melhores características: uma sensibilidade absurda no meio de uma estética e sonoridade agressiva, contudo necessária.
Faixa de destaque: EAT ME (feat. Royal & the Serpent).
Nota: 6,5/10.
Artista: Demi Lovato
Álbum: HOLY FVCK
Ano: 2022
Selo: Island Records/UMG Records.
Gênero: Pop rock, pop punk, rock.
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