Entre a passarela e o meio de campo: qual a relação entre a moda e a Copa do Mundo?

 
(Seleção do Senegal chega ao Catar. Foto: Reprodução/Mark Metcalfe FIFA por Getty Images)

A Moda é uma forma de se comunicar, de se expressar e de se posicionar no mundo. Isso vale para mulheres, homens, não-binários, pessoas cisgêneros, transgêneros, crianças, enfim, para todo e qualquer ser humano. Diariamente, as nossas escolhas de roupa e estilo podem comunicar algum tipo de mensagem, principalmente quando fazemos isso de maneira proposital.

A Copa do Mundo 2022 teve início no último domingo (20), mas os olhos já estão voltados para as 32 seleções mundiais escolhidas há algum tempo. Na última semana, pouco a pouco os times foram chegando ao Catar, o país que está sediando o evento, e algumas seleções chamaram a atenção com os trajes que usaram no embarque e/ou desembarque.

Essa comunicação através da Moda também pode acontecer através dos acessórios, do corte de cabelo, nas cores, nos cortes, enfim, são vários aspectos que podem ser utilizados com a finalidade de passar uma mensagem. Dito isso, além da escolha dos atletas para a ocasião de chegada no Catar ou saída de seus países, há outras situações que envolvem a moda enquanto ferramenta de comunicação relacionada ao Mundial deste ano.

As polêmicas

Antes de trazer os exemplos, acho que é importante dizer que o Catar é um país asiático, localizado na região conhecida como Oriente Médio, conhecido por ser, atualmente, o país mais rico do mundo. Sua capital é a cidade de Doha e será a única sede dos jogos que envolvem a Copa do Mundo da FIFA deste ano. O local foi uma escolha considerada polêmica e controversa desde o início, visto que o Catar é um país famoso por suas violações aos Direitos Humanos.

No Catar, as mulheres ainda são consideradas uma espécie de “propriedade”, sendo mantidas sob tutelas masculinas que as impede de tomarem as decisões relacionadas à própria vida. Outro exemplo é que o código penal do país prevê que todo tipo de sexo fora do casamento, incluindo relações não-consensuais (ou seja, estupros), são considerados crimes e as sentenças podem ser desde prisão até açoitamento ou apedrejamento da mulher, caso ela seja muçulmana. No caso de violência sexual, por exemplo, é possível que o relato da mulher seja considerado como uma confissão – de sexo fora do casamento. Juro.

Se é difícil para as mulheres cis e héteros, avalie para a população LGBTQIAP+. Lá, relações que fujam da heteronormatividade são proibidas. Mais uma vez, o código penal do Catar prevê punições para afetos e sexualidades entre pessoas de mesmo gênero que podem chegar ao apedrejamento.

A controvérsia da FIFA, portanto, foi questionada, visto que no estatuto que rege a instituição existe um artigo que assegura a proteção dos direitos humanos. Mas, nunca houve um posicionamento em relação a isso.

Além de toda essa questão, nos últimos meses e semanas foram noticiados casos de exploração trabalhistas, condições insalubres de trabalho e práticas análogas à escravidão em relação às obras no Catar para receber o Mundial de países. Sem contar com as questões ligadas ao chamado “Fifagate”, quando, em 2020, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos apontou o pagamento de propina envolvendo a candidatura do Catar para sediar a Copa deste ano. O Fifagate foi considerado como a maior investigação sobre corrupção no futebol da História, mas, na época, o comitê da Copa 2022 emitiu uma nota oficial negando as acusações.

E aí, onde entra a Moda em tudo isso?

Moda é política

Dentre as coisas que eu queria destacar em relação ao uso da Moda e a Copa do Mundo deste ano, a primeira está diretamente relacionada ao fato de se posicionar – ou não – frente a alguma coisa. Nesse caso, por exemplo, apesar de concordar em jogar no Catar, mesmo com todas as violações aos direitos humanos, atletas como Harry Kane, da Inglaterra, e Manuel Neuer, da Alemanha, afirmaram, em meados de outubro, que usariam a braçadeira de capitão da campanha “One Love”, com as cores da bandeira LGBT.


(Harry Kane, atacante da seleção inglesa. Foto: Divulgação/FA)

Quando as declarações começaram a sair, a Fifa se posicionou através de seu presidente com um vídeo em que Gianni Infantino declarava que todos eram bem-vindos ao Mundial, “independentemente de sua origem, cultura, religião, gênero, orientação sexual ou nacionalidade”. Contudo, em seguida Colin Smith, diretor de Operações da Copa do Mundo, completou a sentença afirmando que tudo que a entidade pede “é que as pessoas respeitem as normas culturais do Catar”.

Harry Kane, atacante inglês, afirmou que a ideia, ao usar a braçadeira, é passar uma clara mensagem quando o mundo inteiro estiver assistindo ao jogo, que acontece em um país extremamente conservador que foi selecionado para receber a competição de maior prestígio para o futebol mundial. O objetivo da braçadeira “One Love” é promover a diversidade e a inclusão social, mas vai de encontro às recomendações da Fifa, que possui regras explícitas que proíbem as federações de realizarem atos políticos em campo.

Para tentar resolver o “problema”, a Fifa lançou no último fim de semana as braçadeiras oficiais da competição. Existem alguns modelos para os acessórios dos capitães e foram cocriados junto com três agências da ONU, mas há algumas federações que ainda insistem no uso do item com a bandeira LGBT – o que é um posicionamento firme e importante.

Até o momento, seleções como a Inglaterra e País de Gales se mantém na iniciativa de utilizar a braçadeira “One Love”, apesar de estarem aguardando a decisão da Fifa em permitir, punir ou tomar alguma posição, de alguma forma. Outros times como Alemanha e Dinamarca também tendem a adotar o modelo, porém não há nenhuma certeza para nenhum desses grupos até o momento de entrar em campo.

Na verdade, a seleção inglesa se mostrou disposta a pagar a multa estipulada pela Fifa para a quebra da regra, pois, pelo visto, não se posicionar não é uma opção. O presidente da Football Association, Mark Bullingham, ressaltou que como não houve resposta à carta enviada para a Fifa, existe a possibilidade da equipe ser multada. “Se formos, pagaremos a multa. Achamos que é muito importante mostrar nossos valores e é isso que faremos”, declarou.


(O goleiro e capitão da seleção alemã, Manuel Neuer. Foto: Divulgação/FC Bayern München)

Em uma coletiva recente, Neuer, goleiro e capitão da seleção alemã, prometeu vestir a braçadeira “One Love” durante a disputa. “Todo torneio é uma grande experiência. Não temos medo das consequências”, disse ele na ocasião. Ele, inclusive, já utilizou o acessório durante a Eurocopa. Enquanto isso, Lloris, goleiro francês, afirmou que quando a França recebe estrangeiros, espera que eles cumpram as regras locais e respeitem a cultura deles. “Farei o mesmo quando for ao Catar”, afirmou ele, apesar da França ter se mostrado a favor da causa.

É uma questão complexa, mas o posicionamento dos jogadores, ainda que, por algum motivo, não consigam entrar em campo com a braçadeira, já ficou claro. A disposição deles para lutar por causas que merecem visibilidade já foi exposta. Inclusive, a CBF indicou que a seleção brasileira não se manifestaria – o que não choca ninguém, né? Não é à toa que somos o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ no mundo.

O acessório é simples, mas a mensagem é clara. É firme e enfática.

Moda é cultura


Deixando um pouco as questões políticas (e polêmicas) de lado. Como mencionei lá no início, o embarque e desembarque dos jogadores no Catar também gerou um burburinho nas redes e o principal motivo foram os trajes. Claro que algumas seleções optaram por peças mais básicas, como a terceira camisa e calça ou bermuda ou em alguns casos até mesmo terno e gravata, mas sem grandes referências; enquanto outros utilizaram o momento para homenagear suas raízes.



(Seleção de Gana desembarcando no Catar. Foto: Reprodução/Tulio Puglia FIFA por Getty Images)

A seleção de Gana foi uma dessas. Na verdade, em geral, as federações africanas sempre se expressam muito culturalmente através das vestimentas. Até mesmo fora do futebol, são populações que já esperamos roupas tradicionais, cores e acessórios marcantes para a cultura local, dentre outras coisas. Aqui, os atletas utilizaram camisas e turbantes com tecidos tradicionais, assim como as cores – e a estampa de linhas. As roupas, além de confortáveis para o clima do Catar, estavam acompanhadas de um tipo de echarpe com detalhes em alusão à bandeira de Gana.

Além das cores, o echarpe do grupo possui frases como “Visit Ghana” “Beyond The Return” – essa última que é como uma continuação de uma campanha de 2019 intitulada de “Year of Return” que relembrou os 400 anos da chegada dos primeiros africanos escravizados à Virgínia, em 1619. A iniciativa quis celebrar a resiliência dos povos africanos ao longo desses 400 anos e acolher todas as pessoas que possuem origem africana e desejam/desejavam retornar para a África, especialmente para Gana.

A federação do Senegal também chegou botando banca e estilo. A escolha foi um conjunto de linho branco que conversa muito com os trajes do Catar, e do Oriente Médio em geral, garantindo boa adaptabilidade e conforto em relação ao clima desértico. A maioria complementava o look com acessórios com as cores do Senegal, contas ou colares e pulseiras em prata ou dourado mesmo. O recorte da roupa também faz uma alusão a trajes senegaleses mais convencionais, não deixando de lado à ênfase cultural também.

E, por fim, uma seleção que rendeu opiniões divididas em relação ao traje foi a brasileira, mas eu vim aqui para defender o terno cinza assinado pelo estilista nacional Ricardo Almeida. Acredito que este seja o segundo ano que RA assina a roupa social escolhida pela CBF para o embarque dos jogadores e o motivo principal é relembrar a era de ouro da seleção brasileira, associando elegância e performance.


(Foto: Divulgação/Ricardo Oliveira)

O modelo é mais despojado, os tecidos em geral são algodão e linho, com opções de gravata para a comissão técnica e um echarpe para os jogadores, deixando eles com o ar mais informal. Até então parece tudo muito comum e, aparentemente, é, mas o segredo está no forro do blazer.

Feito de viscose, ele tem a estampa paisley que foi utilizada também em 2018 para a Copa da Rússia. A ideia é que o desenho traga elementos da cultura nacional e também do país-sede do Mundial. Há aqui o uso e abuso da geometria, que pode ser também apontada como uma alusão à geometria do campo de futebol, somada a elementos indígenas e de belezas naturais brasileiras, assim como desenhos das taças da Copa do Mundo que o Brasil já soma, com detalhes que homenageiam o Catar.

O design foi todo pensado corpo a corpo para cada um dos jogadores, sendo sob medida com a ideia de ser mais “separado” do corpo diminuindo a sensação de calor que o clima do Catar vai intensificar. Além disso, segundo o próprio Ricardo, seu objetivo era transparecer na roupa a grandiosidade que a seleção brasileira tem frente ao Mundial, sendo a única pentacampeã na história da Copa do Mundo. Para ele, tinha que ser “uma roupa que fizesse a seleção chegar se impondo no Catar”, finalizou.

Será que conseguiu?

Atualizações do conteúdo

Sobre a braçadeira...

(Foto: Divulgação/Getty/Globo)

A Inglaterra jogou na manhã da última segunda-feira (21) e, apesar de não ter utilizado a braçadeira com as cores da bandeira LGBT, o capitão Harry Kane usou uma braçadeira preta com a frase “no discrimination”. Mas, gol mesmo quem fez foi a ex-jogadora e jornalista Alex Scott fora de campo, usando a braçadeira “One Love” em sua aparição antes da partida.


(Foto: Reprodução/BBC)





Beatriz de Alcântara
Beatriz de Alcântara

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