Jogos Vorazes e o fogo que se espalha pela sociedade

(Foto: Reprodução/Netflix)

O primeiro livro da trilogia de “Jogos Vorazes” foi lançado há quase 14 anos e continua sendo um dos maiores sucessos no mundo literário infantojuvenil. Com suas cenas de ação, amor, emoção e sua adaptação fiel aos livros, os filmes da trilogia também são muito amados pelos fãs. A autora Suzanne Collins criou um mundo distópico incrivelmente bem construído e cativante, que contém tudo o que uma boa história pode pedir.

Panem é uma nação que se ergueu das ruínas de um mundo devastado por guerras e desastres climáticos, composta por 12 distritos e uma Capital. Os 12 distritos são divididos de acordo com a sua mão de obra, que é voltada para o abastecimento da Capital. Para prevenir que outra rebelião aconteça, como a que ocasionou “os dias sombrios” e quase levou Panem ao colapso, a Capital decidiu implantar os Jogos Vorazes, onde cada distrito teria que fornecer dois tributos, um homem e uma mulher, para lutarem até a morte em uma arena. O objetivo dos jogos era manter fresco na memória da população os dias sombrios e punir os distritos por terem se rebelado. A Capital afirma ser um mal necessário para manter a paz. Mas essa paz é abalada quando Katniss Everdeen desafia a Capital e se torna vencedora da 74° edição dos Jogos Vorazes junto com Peeta Mellark.

Jogos Vorazes vai muito de além de uma simples trilogia de livros popular, é uma verdadeira bagagem cultural e de grande reflexão para a sociedade. Com um governo autoritário, população em estado de miséria para sustentar o luxo dos mais ricos, opressão e violência, essa saga é um reflexo da sociedade hoje em dia. A partir desses livros podemos discutir sobre temas presentes em nosso cotidiano e toda a crítica que há dentro dessas páginas.

Para começar, temos a origem do nome, Panem, que faz menção à “panis et circenses” em latim (pão e circo, em português), que foi uma política empregada pelo Império Romano para entreter a população com a intenção de fazê-las esquecer dos problemas sociais que enfrentavam na época. Isso é exatamente o que acontece na distopia, os jogos são usados como uma distração e diversão para a população da Capital, até mesmo para os distritos mais ricos, como o 1 e o 2, que também participam dos jogos.

Mas, ao contrário dos outros distritos, o 1 e o 2 se preparam o ano todo e suas crianças se voluntariam na maior parte das vezes. A visão deles sobre o Jogos Vorazes é totalmente diferente da dos distritos mais pobres, para eles é algo glorioso e honrado. E isso pode ser interpretado por serem os dois distritos mais ricos e mais próximos da Capital, retendo um luxo – ainda que nada extravagante – maior, por conta do seu favoritismo em relação a Capital, já que são os distritos com maior número de campeões.

O sistema político-social também é um importante ponto a se analisar. Os distritos são divididos e isolados de acordo com a função econômica de cada um, sendo todos controlados pela Capital. Os 12 distritos acabam por não ter autonomia sobre a própria produção e nem acesso à produção dos demais, os tornando totalmente dependente da Capital, que possui grande poder econômico, acúmulo de riqueza e recursos, resultado da exploração dos distritos, e deixando o resto da população na miséria. Quanto maior o número do distrito, mais afastado da Capital ele é, e por sua vez, mais pobre e miserável. O distrito 12, casa dos dois personagens principais da trilogia, é o responsável pela mineração e o mais pobre dos distritos. Sua população vive em constante estado de fome, onde até mesmo os mais estáveis economicamente sofrem desse mal.

O governo autoritário e totalitarista controla a população por meio da violência. Os Pacificadores são uma espécie de polícia de Panem e são responsáveis por manter a paz e a harmonia dos distritos. Porém, o método deles é o maior causador de confusões. Eles utilizam da violência, castigos públicos, invadem as casas dos moradores e até executam qualquer pessoa que demonstrar a mínima desobediência e rebeldia à Capital. Os distritos são cercados por cercas elétricas, impedindo a saída de qualquer pessoa do seu distrito sem o conhecimento dos Pacificadores. E é claro, a postura dos Pacificadores muda em relação a qual distrito estamos falando, o 11 e o 12, por exemplo, sofrem muito mais agressões e execuções do que o 1 ou o 2.

A obra em questão é um grande espelho para a nossa sociedade. Há diversas outras reflexões dentro dessas páginas, mas acredito que essas estão presentes não só nos livros, mas também em nosso cotidiano. Quantas notícias de violência policial já não nos horrorizaram? E o nosso sistema econômico? Nos vemos presos é um sistema que nos obriga a produzir para o outro em abundância, enquanto falta para nós mesmo. As organizações das cidades também são refletidas nessa distopia, quando mais afastado do centro urbano, da metrópole, mais desprezado pelo governo.

Livros são portas para um novo mundo, sim, mas também são canais de reflexão para o nosso já existente. Jogos Vorazes é uma grande obra, que conquistou o coração de milhares de jovens adultos pelo mundo com seu triângulo amoroso, suas cenas de ação, suas reviravoltas e a sua garota em chamas. Essa saga foi de extrema importância para a construção de um senso público e político de todo uma geração que, hoje, está nas ruas lutando por seus direitos. É a casa de uma das citações mais icônicas e mais significativas da atualidade, e que mais representa a força e a ferocidade de um povo que luta por mudanças e por um mundo melhor. 

“O presidente Snow diz que está nos enviando uma mensagem? Bom, tenho uma para ele. Você pode nos torturar e nos bombardear e queimar nossos distritos até que eles virem cinzas, mas está vendo isto aqui? Está pegando fogo! Se nós queimarmos, você queimará conosco!”, Katniss Everdeen, em A Esperança.
Amanda Furniel
Amanda Furniel

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