TRAGO SEU HIT DE VOLTA: RuPaul em "Supermodel of the World"

(Foto: Porter Gifford/Liaison)

O período era junho de 1993. Nas paradas americanas, Janet Jackson esteve em primeiro lugar todo o mês com sua balada R&B (com tons noventistas), That’s The Way Love Goes. Na moda, as roupas brilhantes estavam em alta: paetês, cetim e tecidos metálicos podiam ser vistos nas mulheres que queriam seguir a tendência. Mas, talvez, a sociedade não estava preparada (ainda) para a explosão de uma artista que já tinha dado os primeiros passos para a fama anos antes, em 1987. E ela veio na figura de uma drag queen.

É comum, ao ouvir o nome RuPaul hoje em dia, já lembrarmos do reality show RuPaul’s Drag Race, que está no ar desde 2009 e é uma boa junção de competição, humor e diversidade. Porém, a carreira dela começou vários anos antes, quando atuou no filme de baixo orçamento RuPaul Is: Starbooty em 1987. Dois “mini-álbuns” musicais, os populares EPs, foram produzidos na época, mas o maior reconhecimento só veio no lançamento de Supermodel (You Better Work)

A estreia deste single aconteceu em novembro de 1992 e foi o responsável por catapultar seu nome, além de ser a porta de entrada para o seu primeiro álbum oficial, intitulado Supermodel of the World. A partir de 08 de junho de 1993, data de lançamento deste material, o mundo e carreira de RuPaul foram redefinidos como um todo, tornando-se uma inspiração para muitas drag queens (e outros artistas da comunidade queer) ao redor do mundo. Desde então, a artista lançou 15 álbuns de estúdio, virou apresentadora de talk show, reality shows e programas de auditório, entre outros ofícios. E, nada mais justo que, em pleno mês do Orgulho LGBTQIAPN+, seja ela a escolhida para a primeira análise desta coluna. 

No TRAGO SEU HIT DE VOLTA, eu ouço o álbum completo e separo as suas músicas em categorias para que fique mais organizado e ajude na análise que faço adiante. Os nomes das categorias sempre terão relação com a artista, então, caso queiram, vocês estão convidados a escutar o material e ler a análise ao mesmo tempo. Como a intérprete deste é a lendária RuPaul, dividirei a tracklist do Supermodel of the World em três categorias: Para Posar/Desfilar, Para Dançar e Para se Apaixonar.

Preparados? Então, parafraseando a própria: ligue seus motores e que a melhor — música — vença!


Para Posar/Desfilar

A primeira categoria é clássica nesse álbum: concentra as músicas que você imagina ao fundo enquanto desfila e/ou posa para alguma foto. A produção é o ponto principal e a reação de se sentir uma modelo deve ser proposital. Eu mesmo posso atestar a veracidade, porque fiz a minha casa de passarela.

Não é segredo que a estética de RuPaul se baseia nas supermodelos mundiais, tanto é que a primeira música de trabalho a ter maior reconhecimento tem como título Supermodel (You Better Work), primeiro single e primeira faixa deste álbum. Além de ser uma boa música introdutória para o material, também é uma boa introdução para a carreira da artista. Em sua abertura, RuPaul narra a vida de uma pessoa que foi transformada pelo mundo da moda ainda muito nova, numa clara referência à sua própria vivência. O ritmo define todo o álbum, uma mistura de dance e house, que era a sensação daquele momento. A música soa bastante pessoal para a vida dela, além de ter menções a várias modelos conhecidas em todo o mundo — lembrando Vogue, de Madonna.

Supermodel (You Better Work) também lembra o cenário ballroom estadunidense, que consiste em bailes com concursos para a comunidade queer (recomendação aqui para Pose, que retrata ficcionalmente uma das eras de ouro dessa cena). Porém, somos transportados — quase que literalmente — para esses bailes na segunda faixa, Miss Lady DJ. Dá até para ouvir um barulho de pessoas ao fundo, como se fosse uma mistura entre o público das boates dos anos 90 e o público desse cenário ballroom.

Também tem vários trechos com palavras faladas, e não cantadas, que é algo presente em várias músicas do material. A batida dance/house continua, e é uma boa transição para a terceira faixa, Free Your Mind. É uma música eletrônica gostosa, que mostra camadas interessantes da voz de RuPaul. Não vou mentir para vocês: o “dudumdumdumda” entre os versos gruda na cabeça. Senti-me um modelo, desfilando e dançando loucamente em casa ao ouvir.

A vibe Para Posar/Desfilar volta com tudo na sétima música, intitulada Back to My Roots. Essa virou single e é mais um clássico da carreira de RuPaul. É uma música composta em homenagem à mãe dela, que era cabeleireira e faleceu no ano de lançamento do álbum. Posso afirmar que é uma das minhas favoritas. É impossível não resistir ao ritmo uptempo, o contexto interessante que a letra nos direciona — tanto nas partes cantadas quanto nas faladas — e o refrão gostosinho dela.

Para finalizar essa categoria, temos a décima segunda (e última) faixa do álbum, A Shade Shady (Now Prance). Voltamos ao cenário ballroom, com uma energia bem semelhante a Supermodel (You Better Work), o que é curioso já que uma inicia o álbum e outra o fecha. Em ambas a RuPaul utiliza palavras imperativas, como se ela estivesse julgando um concurso. No fim, ouvimos umas palavras de despedida, o que indica a finalização da experiência do álbum. Porém, a experiência dessa análise não acabou ainda. O ritmo dançante me contagiou tanto que uma nova categoria surgiu. Então, de pose e desfiles partimos…

Para Dançar

Essa categoria é bem intuitiva: inclui as músicas em que a produção bem sugestiva dos anos 90 chegou a tal ponto que superou as modelagens e carões. É importante dizer que todas dessa categoria têm uma sonoridade semelhante ao da primeira: dance/house com tons eletrônicos. Por isso, é bem comum que a gente as enxergue como datadas e um pouco esquecíveis. Não vou mentir para vocês que, para mim, alguns dos pontos mais baixos estão aqui.

Mas, vamos começar com o pé direito. A quinta faixa, House of Love, é bem chiclete e pode encantar. Em questão de sonoridade, lembrei das músicas de Cece Peniston. Flerta com o gênero disco, ainda com a essência do fim dos anos 80 e influências do house presente no álbum. Foi single e não fiquei chocado, já que o refrão foi feito para grudar na sua cabeça. Já sobre a sexta faixa, Thinkin’ About You, não posso dizer o mesmo. Tudo foi tão na média e repetitivo, tive até que forçar a memória para lembrar de algo bom. Até lembrei: a voz da RuPaul está suave e ajuda na tarefa de não apertar o próximo do reprodutor.

A nona faixa, Stinky Dinky, é uma incógnita para mim até agora. Tem uma conversa no início, depois vira uma confusão de sonoridades, com efeito de ambulância, uma letra confusa e repetitiva. Para não detonar mais, vou dizer que deve ter uma intenção por trás que eu não captei. Se o propósito era “fazer graça”, eu não ri tanto, mas alguém deve gostar. Com a décima faixa, All of a Sudden, minha animação voltou um pouco. O instrumental tem um teclado bastante presente, próximo do que a gente ouve em Get Ready for This do duo 2 Unlimited (que foi uma febre entre 1991 e 1992). Parece trilha sonora de filme adolescente, sabe? Quando a personagem prova várias roupas em frente ao espelho e tem uma montagem das cenas? É bem específico, mas gostei, no geral.

Como encerramento dessa categoria, não podia deixar de falar de Everybody Dance, a décima primeira faixa. Essa é uma versão da música homônima cantada pela banda Chic, lançada originalmente em 1978, e é bem dançante (como o título já diz). A adaptação aos anos 90 caiu bem, deixou o refrão mais cativante e eu admito que dancei enquanto ouvia. Se eu fosse fazer uma festa com músicas dessa década, seria uma boa escolha para tocar na pista.

Contudo, como a maior parte dos álbuns, o Supermodel of the World também tem as suas músicas mais “diferentonas”. Então, avançando para a próxima categoria, vamos desacelerar um pouco, e ouvir aquelas que servem…

Para se Apaixonar

Por último, essa categoria tem as duas músicas mais lentas do álbum. São letras mais românticas, quase baladinhas, e que podem fazer você se apaixonar, tanto por elas quanto por alguma pessoa (se já estiver em um relacionamento, melhor ainda). A primeira dessa lista é a quarta faixa, Supernatural, e desde o primeiro segundo já virou a minha favorita. A sonoridade representa bem a transição entre os anos 80 e 90, é gostosinha de ouvir e tem a voz de RuPaul bem suave, sexy e provocativa.

A outra música, Prisoner of Love, é a oitava faixa do álbum e carrega características similares à quarta faixa. Tem um destaque maior nos sintetizadores, o refrão tem um saxofone chiquérrimo ao fundo e eu fiquei implorando por mais no fim. Mesmo que curto, esse conjunto foi o meu preferido durante toda a experiência, por apresentar algumas nuances na voz da RuPaul que eu nunca havia ouvido antes. Super indico que você feche os olhos e sinta a vibração do amor passar pelo seu corpo ao ouvir (meio brega, mas eu senti isso).

Conclusão

Completando 30 anos de lançamento neste mês, fiquei admirado em ver como o Supermodel of the World consegue ilustrar tão bem a estética de RuPaul. Tem tudo o que ela mais preza em todos esses anos de carreira: é chique, dançante, um pouco romântico e cheio de glamour. Para quem não conhece a artista, este trabalho é uma boa porta de entrada. Para quem já a conhece, vale a pena revisitar e ver onde tudo começou.

Porém, não posso deixar de mencionar o quão desatualizadas suas músicas podem soar aos novos ouvintes, diante de tantos anos passados e gêneros que ainda não voltaram a ser retrabalhados atualmente. A sonoridade de todo o álbum lembra o trabalho de Larry Heard, um produtor americano conhecido por ajudar a formar o gênero deep house, conhecido como um “disco futurístico”. Pode ser que o dance/house dos anos 90 volte com tudo nos próximos anos como o gênero disco, que passou por um renascimento no fim da última década com materiais de Dua Lipa, Miley Cyrus, entre outros. Por ora, as músicas da segunda categoria desta análise, Para Dançar, podem te entediar um pouco.

Mas, calma, a experiência não foi tão ruim quanto pode parecer. Talvez por já ter afinidade com a sonoridade ou por gostar da artista, foi gostoso passar por tantas facetas de sua personalidade musical. E, de quebra, ainda me deu vontade de ouvir seus outros álbuns de estúdio. Quem sabe, no futuro, eu os trago nessa coluna e analisamos juntos o conteúdo? Acho uma boa.

Por fim, eu só tenho uma coisa a dizer em relação a você, leitor, que aguentou até a última palavra dessa análise: You better work!

Faixas de Destaque: Supermodel (You Better Work), Supernatural, Back to My Roots, Prisoner of Love.
Nota: 6/10
  
                         

Artista: RuPaul
Álbum: Supermodel of the World
Ano: 1993
Selo: Tommy Boy / Rhino (Relançamento)
Gênero: R&B, Pop, Dance-Pop, Hi-NRG e House.



Luiz de França
Luiz de França

Para saber mais sobre o/a autor/a, acesse a aba "Quem Somos".

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