TRAGO SEU HIT DE VOLTA: Kylie Minogue em "Kylie"

 

(Foto: Lawrence Lawry)


O período era Julho de 1988. Na televisão britânica, uma jovem loira fazia sucesso na programação da BBC1 em uma novelinha chamada Neighbours, interpretando a aspirante a mecânica Charlene Mitchell. Ela fora introduzida na música no ano anterior, alcançando feitos inacreditáveis para uma adolescente de 18 anos na época. E ela nem era britânica: nascida em Melbourne, Austrália, seu nome é Kylie Ann Minogue.

Bom, a julgar por esse textinho, você deve imaginar que foi muito fácil o início da carreira de Kylie na música, porém... Não foi bem assim. Na verdade, em 1987, ela já estava na sua sexta novela australiana, completando um ano de participação em Neighbours. A produção era um sucesso no país e, rapidamente, migrou para o Reino Unido, chamando a atenção daquele público também. Porém, quando a ideia de tentar um ingresso na música foi dado por alguns produtores, as gravadoras a rejeitaram pela improbabilidade de uma atriz de novela fazer sucesso nesse outro ramo. Por sorte (ou destino), a Mushroom Records aceitou lançar um cover dela de Locomotion, apresentada originalmente pela Little Eva em 1962,  na Austrália, e a versão alcançou a primeira posição das paradas, permanecendo por sete semanas e se tornando o single mais vendido da década na região. Meses depois, a SAW Records — Depois, PWL Records — , do Reino Unido, decidiu dar uma chance a Kylie, após certa relutância, e os feitos foram incríveis. 


O primeiro material gravado pela artista em sua nova gravadora foi I Should Be So Lucky, lançado em dezembro de 1987 e que alcançou a primeira posição nas paradas britânicas por cinco semanas. Este foi o terceiro single mais vendido na região no ano de 1988, e o Kylie, seu primeiro álbum de estúdio com lançamento em 04 de Julho de 1988, alcançou o topo dos mais vendidos naquele ano. Estes marcos, somados ao alcance dos outros três singles do projeto (que alcançaram o segundo lugar), marcaram o nome da artista, que tem sucessos até hoje.


Desde então, Kylie Minogue lançou 15 álbuns de estúdio — 16 após o lançamento de Tension, com data marcada para Setembro deste ano —, tornou-se a cantora australiana de maior sucesso a nível mundial e entrou até para o Guinness Book como "a primeira artista feminina a emplacar, pelo menos, um álbum em primeiro lugar em cinco décadas no Reino Unido". Com o aniversário de 35 anos de lançamento do Kylie nesse mês e todo o impacto de Padam Padam, novo single dela, em vários países, acho que está na hora de redescobrirmos esse álbum amado por alguns e desadorado por vários.


No TRAGO SEU HIT DE VOLTA, eu ouço o álbum completo e separo as suas músicas em categorias, para que fique mais organizado e ajude na análise que faço adiante. Os nomes das categorias sempre terão relação com a artista, então, caso queiram, vocês estão convidados a escutar o material e ler a análise ao mesmo tempo. Como a intérprete deste é a rainha dos cangurus Kylie Minogue (obrigado, Faustão, por esse título), dividirei a tracklist do Kylie nas três sensações que tive ao ouvi-lo: CONFLITO, NOSTALGIA e PAIXÃO. Vamos lá?


CONFLITO


O primeiro sentimento que tive, já no início do álbum, foi conflito. Grande parte das músicas dos anos 80, principalmente aquelas atreladas ao pop ou disco, trata sobre temáticas tristes e/ou pesadas com uma batida animada. É aquela sensação de você ouvir e pensar que se trata de uma música super feliz e, ao ler a letra, quebrar a cara porque o eu lírico está na fossa chorando pelo ex-namorado. Sim... É bizarro e neste álbum isto é bem comum, como veremos a seguir.


A primeira faixa e primeiro single do material é I Should Be So Lucky, uma das mais conhecidas da carreira de Kylie. Esta é a música que define o tom para todo o álbum: presença de refrão repetitivo —  para grudar na cabeça —  e batidas enlatadas que podem agradar os mais nostálgicos da época. A letra é triste, falando da falta de um amor romântico e a idealização de um bom relacionamento, mas com um instrumental bem "pra cima" e dançante. Essa contradição dá um nó na nossa cabeça, mas é quase impossível não se apaixonar por esta música. A produção é gostosa, é um clássico dos anos 80 e ativa o nosso lado adolescente sonhador. Além de ter uma versão em português cantada pela Simony que é digna de comentários.


A quinta faixa, Got to Be Certain, também foi single do material e segue a fórmula de I Should Be So Lucky. Letra triste — que trata sobre coração partido, insegurança no relacionamento e medo de dar o próximo passo— , batida animada e muita repetição nos refrões. Admito que cansei na segunda metade da música, mas muitos fãs gostam dela, então talvez o problema esteja em mim. Não é das minhas favoritas, admito.


A última que destacarei nesta categoria é Turn It Into Love, a sexta faixa do material e uma das mais injustiçadas da carreira — na minha singela opinião. Também é a mais contraditória, por ter a letra bem triste e a batida super animada, como uma ode à Disco Music. O trecho "Eu tenho que deixar claro que você não pode empurrar a dor pra mim" com um instrumental bem Disco ao fundo me quebra toda vez. Os produtores da gravadora cometeram um dos maiores erros na divulgação do Kylie ao não escolher essa como single oficial. É um misto de música gostosa, letra interessante, refrão repetitivo na medida certa e voz adequada. Imaginar a voz atual da Kylie nesta melodia me faz desejar vê-la nas próximas setlists de turnês.


Este é o fim da primeira categoria, em que a confusão vai dar lugar a um dos meus sentimentos favoritos. Aquela emoção de lembrar de velhos tempos, mesmo que não tenha participado deles — mais uma contradição, eu sei. O saudosismo me fez regressar no tempo, brotando em mim a...


NOSTALGIA


Esta segunda categoria pode não fazer lógica para alguns, já que eu nem era nascido em 1988. Porém, quando vou às festas retrôs com minha mãe, sou tomado por uma sensação esquisita, algo que me agrada e me faz voltar um pouquinho no tempo. É como uma nostalgia do que eu não vivi, mas gostaria de ter vivido um pouco. Algo que parece uma retomada aos velhos tempos, e isto resume as músicas que vou citar a seguir. É importante dizer que nem todas passaram pelo teste do tempo no meu conceito, então estas eu deixaria por lá mesmo.


Começamos esta lista com a segunda faixa do álbum, The Loco-motion, que é uma versão retrabalhada daquela lançada em 1987 pela Mushroom Records. Kylie regravou os vocais, o instrumental é levemente diferente, porém o intuito é o mesmo: fazer as pessoas dançarem imitando uma locomotiva. Em algum momento a letra dessa música deve ter feito sentido, então não vamos entrar nesse mérito. The Loco-motion é o triplo da repetição de I Should Be So Lucky, e isso já diz muito sobre ela. Não é das minhas favoritas, a melodia chega a ser irritante e eu passaria sem ressentimentos caso ouvisse o álbum novamente nos próximos meses. Para mim, não passou pelo teste do tempo e já deveria ter caído no limbo das turnês da Kylie.


Seguimos com It's No Secret, quarta faixa do álbum, que trata sobre traição — de uma maneira bem explícita, até, para uma jovem de 20 anos. Nenhuma das composições foi feita pela Kylie, mas vê-la cantando sobre isso e saber as várias traições que viriam pela frente é, no mínimo, triste e premonitório. A melodia é meio arrastada e bem datada, o que me faz não gostar tanto, mas não é a pior do álbum também. É médio, digamos assim, o que também senti pela nona faixa, Look My Way. Esta tem um samplezinho de Rock Steady, da banda The Whispers, e é um pedido para o amado se colocar no lugar dela. É bem regular, mas tem uma performance ao vivo daquele ano que é ótima.


Por último nesta categoria, temos a faixa dez, Love at First Sight. E caso você esteja se perguntando: não, não é a mesma lançada por ela em 2001 como single do álbum Fever. A primeira Love at First Sight tem instrumental bem anos 80 mesmo — uma mistura de dance, disco e pop chiclete —, composição fofa e melodia alegre. Por ser a última faixa do material, encerra a jornada com mais leveza e felicidade, diferente do que vimos nas primeiras músicas. Nem se compara à música homônima de 2001, mas não é péssima também. Sendo tão repetitivo quanto os refrões desse álbum, reafirmo: é bem mediana.


Certo... Percebi que terminei este grupo bem pra baixo. Mas, e se eu te dissesse que a montanha-russa desta experiência vai continuar a todo vapor? Isso porque a próxima categoria é formada pelo que achei de melhor e pior no álbum, o que me faz lembrar dos melhores e piores momentos que temos em qualquer relacionamento. Não sei se estou me precipitando, mas acho seguro dizer que todos eles começam pelo mesmo sentimento, algo próximo à...


PAIXÃO


A última categoria tem um sentimento misto, que une a excitação de um novo relacionamento e as frustrações de situações que vêm com ele. São músicas românticas — no sentido mais puxado para a escola literária do Romantismo, mesmo —, que direcionam para o trágico e a tristeza pelo amor. Estou filosofando demais, mas acho que deu para entender. A melancolia maior do álbum está aqui.

Primeiramente, vamos com a terceira faixa, Je ne sais pas porquoi. É o meu single preferido do álbum, melancólico na medida certa e eu amo o clipe que mistura preto e branco com colorido. Merecia mais atenção, tanto da Kylie quanto dos fãs, na minha opinião. A letra fala sobre decepção amorosa e, para quem não quer dar um Google Tradutor do francês para o português no título, uma tradução livre para ele é "eu não sei o porquê".


A sétima faixa, I Miss You, é mais uma triste e melancólica do material. Porém, diferente da anterior, esta eu já não gostei. A composição está no limite entre o fofo e o tristonho, mas é muito infantil e não conversa com boa parte do que ouvimos antes e depois. A temática de sentir falta, ver fotografias da pessoa amada e viver em uma ilusão romântica lembra My Secret Heart, música do segundo álbum de Kylie. Essa é a minha menos preferida — Sim, achei pior até que The Loco-motion.


Por último, temos a minha preferida. A oitava faixa, intitulada I'll Still Be Loving You, é o meu xodózinho, e eu amei desde os primeiros segundos do instrumental. É romântica, meio trágica, o instrumental super combina, é gostosa de ouvir... Enfim, aqui os produtores acertaram em cheio. Espero ouvir esta completa — porque ela cantou um trechinho de poucos segundos na Golden Tour de 2018 —  ao vivo algum dia.


CONCLUSÃO


O trio de produtores à frente da gravadora SAW/PWL entre os anos 80 e 90 marcou toda uma geração. Eles ficaram conhecidos por criar uma fórmula do sucesso, replicando em vários artistas diferentes e obtendo resultados incríveis. Para vocês terem noção, algumas semanas de paradas tinham um top 3 formado apenas por músicas produzidas por eles. Então, não tem como falar do álbum Kylie sem tocarmos em Stock Aitken Waterman, que compuseram e produziram todas as músicas do álbum.


A tal fórmula do sucesso rendeu bons frutos comerciais para este primeiro álbum da Kylie Minogue. As pessoas compraram, as músicas grudaram na cabeça e isto é ótimo. Porém, não podemos negar que este estilo de música tinha um prazo de validade, que, obviamente, não foi uma preocupação para eles. Então, se formos falar de ritmo e melodias, o material soa ultrapassado em tempos atuais, sendo este um dos maiores motivos para os fãs ignorarem os dois primeiros álbuns da carreira da Kylie. Destaco, aqui, os dois primeiros porque, a partir do terceiro, ela tem uma participação maior na composição e produção de seus materiais.


Porém, isto não quer dizer que não há músicas ótimas para ouvir e apreciar entre as dez músicas do projeto. Elas podem se encaixar em qualquer estado de espírito que você esteja no momento, seja nos mais melancólicos, seja nos mais felizes. Se você estiver apaixonado, então... Olha, você pode passar pelos altos e baixos só escutando estas músicas. Mas, não vão esperando algo super fresco, retrabalhado ou diferente. O álbum Kylie é o puro suco dos anos 80, e não tinha pretensão de ser algo maior que isto em sua preparação. Espero que vocês possam apreciar, pelo menos, uma ou outra música desse material, que marcou o início de uma carreira longa e cheia de obras-primas da rainha dos cangurus Kylie Minogue.


Ah, e para finalizar, quero roubar a atenção do Clubinho para indicar um episódio do podcast Cadê o Dj? que gravei com meu amigo xará, Luiz Damasceno. Nele, nós fizemos uma análise faixa a faixa deste álbum, respondendo perguntas como "Qual a sua música preferida do projeto?" e "Qual você retiraria do álbum para acrescentar outra?". Está super legal e beeeem polêmico.




Faixas de Destaque: I Should Be So Lucky, Je Ne Sais Pas Pourquoi, Turn It Into Love, I'll Still Be Loving You.
Nota: 6.5/10
  
                         


Artista: Kylie Minogue
Álbum: Kylie
Ano: 1988
Selo: SAW/PWL Records
Gênero: Dance-pop, Disco-pop e Bubblegum pop.


Luiz de França
Luiz de França

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